Reflexões sobre cansaço - parte 3
- Juliana Pellegrino
- 28 de set. de 2022
- 2 min de leitura
Seguirei nos próximos pensamentos me baseando mais diretamente nas palavras de Byung-Chul, filósofo sul-coreano, em seu livro “Sociedade do Cansaço”. Acredito que ao trazer o tema do cansaço, passear sobre as reflexões deste livro é experiência interessante.
O autor explica no livro sobre os sofrimentos psíquicos vividos pela sociedade em cada época para chegar a como vivemos na sociedade atual. E faz isso trazendo contraponto ou citações de confirmação de diversos pensadores e escritores de referência. Ele traz, em um capitulo em específico, um contraponto à ideia de Sociedade Disciplinar de Foucault, vivida no século XX e é nesse ponto do livro que focarei agora.
Sociedades disciplinares vivem uma dinâmica focada na negatividade. Nela não “tem direito a”, nela sempre “devemos a”. Existe nesse modelo disciplinar “alguém que vigia e alguém que pune”. Essa forma de funcionamento é reflexo de uma era de pensamento imunológico, onde o estranho é algo a ser combatido, exilado, domado na tentativa de buscar uma proteção e manutenção de status-quo. Já, para o autor, transcendemos este lugar e caminhamos para uma “Sociedade do Desempenho”. Essa sociedade se afasta da dinâmica da negatividade e vive uma positividade extrema. Como traz o autor: “O poder ilimitado é o verbo modal da sociedade do desempenho”. Trocamos então os “deverias” pelo “podemos”. Isso nos leva a caminhar para sermos nossos “próprios vigias”. O controle não é mais externo, nós mesmos exercemos o controle disciplinar de nossos corpos (aí está a beleza de um funcionamento pautado em um modelo capitalista - contém ironia). Quando lidamos com a negatividade do "dever", isso pode gerar um bloqueio de produção. Quando exercemos o “nós podemos” essa positividade mobiliza o desempenho. Surgem assim “sujeitos do desempenho”.
A positividade nos leva a um lugar de falsa liberdade, nos remete a uma sensação de mobilidade, de superação constante. Somos encaminhados por esta lógica social a uma autoexploração. Vivemos o “imperativo da realização”. E quando isso não vem, pois é impossível humanamente viver essa lógica sustentada ao máximo sem declínio, vem a frustração, a sensação de fracasso, autopunição, depressão, estafa…
Byung-Chul Han diz: “Mas a depressão (...) irrompe no momento em que o sujeito de desempenho não pode mais poder. Ela é de princípio um cansaço de fazer e poder. (...) Não-mais-poder-poder leva a uma autoacusação destrutiva e a uma autoagressão. O sujeito do desempenho encontra-se em guerra consigo mesmo.”
E por mais que depressão não possa ser definida apenas desse lugar ou que esses caminhos necessariamente levem a este tipo de funcionamento, achei uma provocação interessante do autor. E vejo que se encaixa no discurso de muitos colegas psiquiatras e psicólogos sobre o que vivenciam em seus consultórios (que eu também vejo atravessar o meu).
Fico então convidada a pensar (e convido vocês, se desejarem): como nos posicionamos dentro dessa (i)lógica social? Como conduzimos nossos corpos dentro do ritmo ditado pela produtividade? Será que perdemos nossos valores ao não render? O que nos alimenta a seguir por esse caminho?
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