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“A morte é sempre figura viva”

  • Juliana Pellegrino
  • 27 de nov. de 2023
  • 3 min de leitura

Esses dias estava conversando com meu companheiro sobre umas pessoas queridas nossas que morreram. E com frequência ele se corrigia: “ ela é não: ela era!”.

E falei para ele que eu achava muito estranho exigirem que tenhamos que falar de quem morreu no passado. Como se tivessem deixado de ser. E como que isso parece uma forma de afastar a gente do contato. É como se, só por não existir em matéria, tudo que essa pessoa é não pudesse mais ser. E assim fossemos sendo implicados a, forçosamente talvez, ir deixando essa pessoa no passado também. Porque parece que é isso que espera de quem perde alguém: que se deixe de pensar sobre, que se supere a perda…

Mas… o que é deixar de pensar? O que é superar? É fingir que a dor não existe? É viver a falta como algo banal? O que é aceitar a morte de alguém? O que define essa aceitação?


Não existe forma correta ou incorreta de viver um luto. Existem formas que possam estar adoecendo alguém? Sim.

Isso é errado? Não posso julgar. Posso ansiar por ver a pessoa bem, mas não posso dizer que ela tá vivendo a dor dela errado, pois , se todas as dores são únicas ,o luto, pra mim, é uma das mais particulares. Ninguém sabe aonde a vida de alguém reverbera no outro. Às vezes nem nós mesmos sabemos o tamanho de alguém na gente.


Eu não quero viver como se meus mortos não estivessem vivos em mim. Porque eles estão aqui, comigo. A dor que sinto da falta de cada um deles é vida. A deles que continua em mim e a minha que se segue. É a lembrança das memórias. É a criação de memórias novas, pq sim, essas memórias novas vão continuar sendo criadas. Pois na nossa fantasia cabe muito espaço para viver situações em que vamos imaginar “como seria se tal pessoa estivesse aqui?”… E isso vai nos pegar pelo pé diversas vezes. Algumas vamos chorar de rir como se a pessoa estivesse ali conosco mesmo, vivendo tudo isso. Outras a dor de perceber a falta vai fazer a gente cair de novo. Em outras a saudade dá um sopro singelo e tudo segue como se nada tivesse acontecido.


A gente não deixa de viver as pessoa mortas, mas elas deixam de viver a gente.

E nossa cultura não ensina para nós que “tá tudo bem” elas irem, “tá tudo bem” a gente chorar por elas depois de 10 anos.

Pois nossa sociedade sequer ensina a gente a olhar para a possibilidade de um sentimento poder ir e vir com naturalidade.

Felicidade é tida como orientador imperante e a tristeza e a dor são coisas que “não podemos sentir”.

Essas pessoas, se estivessem vivas, nos deixariam com raiva, tristes e felizes em várias situações… Vivê-las em suas ausências fará a mesma coisa. Ora nos deixará tristes. Ora felizes com as boas memórias, vez outra com raiva da partida, com raiva do amor que sentíamos e até mesmo indiferentes por um tempo… não lembrando delas ativamente. Como fazemos com os que aqui ainda estão.


E terão etapas da nossa vida que mesmo que esse luto “estivesse superado”, a necessidade de viver essa etapa novamente irá surgir. Pois na vida vamos sendo expostos a diversas novas situações, que podem nos remeter à dor de não ter essas pessoas. E a gente pode pensar nelas com a mesma intensidade “da primeira perda” e precisar cuidar desse luto novamente. Não necessariamente isso significa que quem volta a sofrer não lidou bem com o luto dela. Isso significa que agora essa dor faz outro sentido/sentir. E talvez precise ser assim.


Teorias podem sempre nos orientar, nos acolher a olhar para um outro de forma responsável… mas quando se trata de vida corrente, a experiência se faz única.

Morte é um tema que me acolhe e interessa por demais. E muitas vezes já fui julgada como “sadica” ou “com problemas” por isso. Mas na verdade é só um interesse por olhar pra um viver que ninguém quer cuidar. Viver a morte e sua existência é poder me ver na vida. É também olhar com respeito e inteireza pra todas as vidas que se apresentarão para mim.

 
 
 

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